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A ORGONOTERAPIA (PSICOTERAPIA REICHIANA) COMO ABORDAGEM EFETIVA NO TRATAMENTO DE PACIENTES PSIQUIÁTRICOS HOSPITALIZADOS

Tradução e adaptação: Yuri Vilarinho

 

Nos últimos vinte anos, o cuidado no hospital psiquiátrico tem sido reduzido, praticamente, à prescrição de medicações psicotrópicas e à manutenção da segurança do paciente. Os psiquiatras têm pouco tempo para trabalhar com os seus pacientes e contribuem muito pouco quanto aos cuidados que estes devem receber, limitando-se a aprovar diagnósticos e a assegurar que o trabalho está sendo feito corretamente.

 

Neste tipo de ambiente, o psicoterapeuta reichiano (orgonoterapeuta) encontra desafios particulares. Desconhecido pela maioria, é encarado com indiferença, incompreensão e até mesmo surpresa. Alias, como qualquer outro psicoterapeuta, não é necessário neste ambiente. É encarado como um remanescente do passado. Infelizmente, isto está acontecendo num tempo em que o conhecimento e a "expertise" do orgonoterapeuta é tão necessária, dada a miséria humana atual e as condições sociais cada vez mais caóticas.

 

A rigor, o orgonoterapeuta poderia fazer a diferença nos cuidados em saúde mental. Pode focar, por exemplo, nas áreas mais importantes do ponto de vista caracterológico da vida do paciente, movendo-se gradualmente em uma direção mais saudável. Isto é possível, porque não está perdido na visão errônea de considerar o sofrimento mental como apenas uma coleção de sintomas e que as medicações são o único meio efetivo no tratamento das psicopatologias.

 

O entendimento do caráter e da estrutura biofísica dos pacientes permite o estabelecimento de uma aliança terapêutica profunda, sugerir intervenções terapêuticas apropriadas e manejar as medicações de forma mais efetiva. Ao mesmo tempo, o orgonoterapeuta, quando trabalha num "setting" convencional (como um hospital), tem de estar particularmente vigilante quanto às possibilidades de utilizar o seu conhecimento e alcançar o paciente no momento certo.

 

Para ilustrar este ponto, gostaria de apresentar uma intervenção de análise do caráter que tive oportunidade de fazer com um adolescente de 15 anos, chamado Marcos, e com os seus pais, durante uma breve hospitalização. Marcos foi trazido ao hospital por conta de um surto de raiva em sua casa. Desde os 12 anos, tem sido hospitalizado muitas vezes e seus pais estão sem conseguir ver a luz no fim do túnel. Estes não sabiam mais o que fazer e estavam infelizes com a ajuda que receberam de profissionais antes de decidirem chegar à hospitalização.

 

Marcos não tem freqüentado a escola, tem tido poucas interações sociais e pouco interesse em sua vida geral. Quando sua mente está decidida a fazer algo, por exemplo, recusar ou querer fazer alguma coisa, é impossível retirá-lo deste estado. Em geral, os pais, nestas situações, têm uma reação de raiva, pois se sentem perdidos e incompetentes emocionalmente, o que faz com que Marcos tenha um surtos violentos. Em outros períodos, Marcos torna-se bastante raivoso sem razão aparente, embora tipicamente sua raiva seja dirigida à sua mãe. Nestes períodos, Marcos torna-se inalcançável.

 

Este comportamento foi classificado pelos pais como uma "pendulação de humor". Quando tinha 12 anos, Marcos foi diagnosticado com transtorno bipolar por uma renomado psiquiatra e autor de vários livros sobre psiquiatria infantil e, ao longo destes anos, foi tratado com uma extensa lista de remédios, embora continue se deteriorando. Agora, Marcos estava hospitalizado novamente.

 

Quando eu me encontrei com ele, estava muito raivoso e não conseguia pensar em nada além de querer ir para casa. Durante a sua hospitalização, uma colega tratou Marcos e eu já sabia o quão difícil seria trabalhar com ele e senti que eu não poderia fazer muito, dada as circunstâncias.

 

A primeira ação geralmente a ser tomada seria a de ajustar suas medicações e enviá-lo de volta para casa de forma segura. Todavia, quando me encontrei com Marcos e seus pais, a oportunidade de fazer algo diferente se apresentou. Isto foi possível por conta de minha percepção de seu estado caracterológico e de sua expressão biofísica.

 

Marcos estava sentado com uma postura rígida, corporalmente falando, enquanto os seus pais apresentavam a sua história e descreviam os seus surtos de raiva. O pescoço e a cabeça de Marcos estavam mantidos de forma retesada; sua testa estava contraída, com raiva, e seus olhos fixados no chão. Ele não poderia e nem iria fazer qualquer contato ocular e parecia estar completamente avesso à conversação. Sua expressão geral era muito forte: estava fechado dentro de si e completamente cego, recusando-se a ouvir o que os seus pais tinham para dizer. Sentia-se que a tensão, vinda de seus olhos, preenchia toda a sala.

 

Eu decidi que era inútil falar sobre ele se ele não estava com a gente. Estando muito consciente disso tudo, eu pulei a discussão que em geral se faz sobre diagnóstico, prognóstico e terapêutica e me dirigi, ao invés disso, ao que eu estava observando na sala. Eu disse: "Posso entender o que aconteceu em sua casa e o que acontece aqui. Sua mente está bloqueada e não pode se mover além disso, na medida em que os seus olhos estão fixos no chão, existindo uma conexão entre sua expressão e comportamento". O pai perguntou: "Existe alguma coisa que pode ser feita com isso? Existe ajuda?"

Suas questões me encorajaram a seguir, embora estivesse consciente de que estava num ambiente hospitalar. Expliquei que a rigidez física e a sua postura corporal mantinha sua incapacidade de lidar com os outros. Expliquei: "Existe uma terapia que aborda diretamente estas características físicas e eu a utilizo em minha prática privada no consultório, embora não no hospital, onde o escopo do meu trabalho é limitado ao manejo da medicação". Neste ponto, convidei Marcos a olhar para o ambiente da sala, apresentando-se mais engajado. Sentiu que estava sendo entendido e prometeu cooperar no sentido de trabalhar melhor. Logo, seus pais expressaram desejo de que Marcos continuasse o tratamento comigo logo que saísse do hospital. Permaneci neutro em relação à possibilidade e deixei que a decisão estivesse em suas próprias mãos. Marcos logo foi capaz de cooperar e participar nas atividades diárias, ao invés de perder toda a manhã em sua cama. Quando foi liberado, 10 dias depois da admissão, estava tomando uma medicação a menos do que antes, uma que não estava dando qualquer benefício e contribuía para sua sedação.

 

Marcos tem um longo caminho antes de poder atingir um grau razoável de melhora e diminuir a dependência dos pais. Ele tem uma condição psiquiátrica bastante séria e todas as evidências reforçam o diagnóstico de esquizofrenia paranóide. Achei surpreendente que sua condição tivesse sido tão mal diagnosticada dado que ele havia sido acompanhado por psiquiatras durante tanto tempo. A rigor, ele estava sendo constantemente diagnosticado e tratado conforme um diagnóstico dado de forma padronizada (e indiscriminada), o de transtorno bipolar, quando todas as características apontavam para uma esquizofrenia.

 

Depois da liberação de Marcos, continuei o trabalho. Ele não conseguiu comparecer às três primeiras sessões e também recusou ir a escola localizada nos fundos do hospital. Apesar disso, manteve uma conexão comigo e posteriormente compareceu às sessões. Esta conexão foi importante quando ele, então, pediu para que fosse hospitalizado novamente por conta da exacerbação de seus sintomas. Enquanto escrevo isso, Marcos continua em tratamento comigo. Ele está fazendo esforço e os seus pais tem suas esperanças renovadas. De fato, acredito que possa trabalhar com ele de forma que possa controlar os seus sintomas.

 

Iniciei o tratamento mostrando a Marcos sua reação típica, quando suas demandas estão controlando-o. Tentei mobilizar um pouco os olhos, ainda que fosse muito dificil fazer contato ocular ou observar a sala. Em geral , o paciente olha para baixo ou para os cantos.

 

O mínimo esforço de mover os olhos traz muito desconforto e dores de cabeça. Tive a oportunidade de explicar porque isto acontece, com o objetivo de aumentar o entendimento e cooperação. Também simplifiquei sua medicação, tomando, neste momento, três, ao invés de quatro, das quais uma em menor dosagem, diminuindo o efeito colateral geral. Marcos está conseguindo ter maior percepção de si mesmo, seus sentimentos e suas emoções.

 

Esta vinheta clínica é um exemplo do impacto que um orgonoterapeuta pode ter sobre o seu paciente, abordando o comportamento, os seus traços de caráter e as suas expressões emocionais de um modo unificado.

 

Atentando para o que ocorria na sala e à expressão do paciente, consegui me sintonizar com o paciente que, historicamente, já apresentava dificuldades, ou mesmo estava impossibilitado de alcançar um grau satisfatório de contato.

 

Minha intervenção foi simples e facilmente entendida. Posteriormente, os pais de Marcos falaram que ele era assim desde sua infância, e que nunca souberam como lidar com esta situação para tirá-lo desta situação emocional.

 

Isto confirma que o traço de caráter ao qual eu me dirigi já estava presente desde momentos muito iniciais de sua vida. Estávamos seguindo o "fio vermelho" (a linha mestra), desde nossa primeira interação.

 

A importância de ter o diagnóstico correto não pode ser sub-estimada. Com o diagnóstico correto, pudemos avaliar as necessidades de Marcos e seguir o tratamento. Sei, por exemplo, que ele não pode ser forçado a atividades que envolvam níveis de contato que não é capaz de tolerar. Fazer isso poderia provocar uma retirada total do mundo ou produzir surtos de raiva. Além disso, sei o quanto é difícil para ele estar numa sala de aula, por conta de sua paranóia generalizada constante, e entender que esta recusa de fazer algo na atualidade e postergar tudo para amanhã é uma maneira de evitar sua ansiedade.

 

Em resumo, tenho uma visão tridimensional profunda do funcionamento de Marcos, ao invés de ter uma lista de sintomas e comportamentos disfuncionais, que é justamente a abordagem convencional psiquiátrica, baseada nos manuais diagnósticos (como o DSM).

 

 

 

Autor Salvatore Iacobello, M.D. Artigo publicado em The Journal of Orgonomy - vol. 42, n. 2, pp. 35-39, 2009. Título original: "Does traditional psychiatry help our patients?"

 

 

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